Regina Silveira revisitando Brecheret

Professor, observe estas instalações de Regina Silveira. A artista gaucha propõe interferências em dois monumentos públicos da cidade de São Paulo, obras do artista modernista, Victor Brecheret . As instalações estimulam reflexões sobre aspectos da história oficial do Brasil.

Nas instalações de Regina Silveira as obras de Brecheret são revisitadas e resignificadas. Essas obras nos auxiliam a rever a história oficial do Brasil.

A instalação Paradoxo do Santo pode ser visitada no MAC USP, em exposição no prédio sede.

Paradoxo do Santo, 1998 (primeira remontagem da instalação) Regina Silveira
Madeira Pintada e placas de poliestireno Monudentro - Exposição Coletiva "A Trama do gosto", 1987.
MAC USP Recorte de Vinil adesivo e impressão por plotter
  Fundação Bienal de São Paulo

 

FREIRE, Cristina. O Paradoxo do Santo. Regina Silveira.in: Figurações 30 anos de Arte Brasileira, MAC USP, 25/09 a 14/11/98 (catálogo de exposição).
 
 
No Paradoxo do Santo de Regina Silveira, a sombra do Monumento a Caxias, imensa escultura eqüestre realizada por  Victor Brecheret em homenagem ao patrono do exército brasileiro, projeta-se imponente a partir da pequena imagem de madeira de São Tiago, patrono militar da Espanha que inspirou as batalhas contra os mouros. Em nossa história recente, o Duque de Caxias comandou as tropas brasileiras na controvertida Guerra do Paraguai, na segunda metade do século passado.
Religião e militarismo, eixos fundamentais do imaginário latino-americano, são evocados nessa instalação realizada pela primeira vez no Museo del Barrio de Nova Iorque (1994) com uma pequena imagem de São Tiago pertencente ao seu acervo contraposta  à sombra de Duque de Caxias, pintada diretamente nas paredes e no chão do museu.


Como anotou Regina Silveira por  ocasião da exibição do Paradoxo do Santo  no Museo del Barrio:
" A diferença entre o objeto e sua sombra, apresentado como um paradoxo visual e conceitual, é um comentário sobre a História e a tradição. Ao justapor o Santo ao General eu pretendi criar um correspondente sintético das relações e afinidades entre religião, militarismo e poder que historicamente têm apoiodo as lutas de dominação na América Latina.


As distorções da perspectiva que esticam e agigantam a sombra no Paradoxo do Santo são meus instrumentos principais para enfatizar esses significados visualmente. Eles têm a função de revelar o General com a espada como o diabólico sombrio "Outro" do ingênuo e primitivo santo de madeira."


A remontagem do Paradoxo do Santo no Museu de Arte Contemporânea da USP em São Paulo, não ocorreria sem algumas alterações necessárias. Como observa Regina Silveira:
"Na versão atual a sombra pintada diretamente sobre as paredes foi substituída por uma superfície fina, formada por placas modulares de poliestireno preto. A silhueta do Duque de Caxias agora está montada por junção de partes, na mesma sistemática de um quebra-cabeça distribuído pelos três planos do espaço quase fechado onde se situa. A opção pelo material de revestimento responde não só à vontade de dar maior permanência a esta obra, mas também à tentativa de remeter, de modo mais específico, ao caráter de exterioridade dos monumentos que ocupam lugares nos espaços abertos da cidade. No trânsito do incorpóreo anterior (da silhueta pintada) a esta objetualidade rala, as lâminas de plástico ainda podem funcionar como uma espécie de achatamento irônico do caráter de objeto muito volumoso que caracteriza a escultura eqüestre em questão.
Já o São Tiago de madeira, anônimo e primitivo da versão original, também necessitou transformar-se a fim de manter um vínculo permanente com sua nova extensão silhuetada. Em seu lugar está outro São Tiago, nas mesmas dimensões, também de feitura primitiva e executado em madeira. A diferença está na autoria do artista popular local que aceitou interpretar a imagem do santo guerreiro, mantendo a pose do cavalo e do cavaleiro, importantes na relação entre o santo e a sombra."


Dessa maneira, em São Paulo, o Paradoxo do Santo integra-se ao acervo local de imagens compartilhadas ao deslocar, como sombra, o monumento do centro da cidade para dentro do museu. A perenidade do monumento de granito e bronze contrasta com a mobilidade de sua sombra que transfigura, em suas distorções e ambigüidades, o sentido reverencial dirigido às imagens oficiais, povoadas por heróis e santos, e interroga, no limite, a visão naturalizada e passiva que deixa de ver para simplesmente crer.


Não é a primeira vez que monumentos públicos são ponto de partida para o trabalho de Regina Silveira.
Outro ícone paulistano, o Monumento às Bandeiras, do mesmo Brecheret, já havia sido apropriado pela artista em cartão postal da série Brazil Today (1977) e na instalação Monudentro (1987).  Como em Monudentro, o Paradoxo do Santo oferece ao público uma experiência corporal e cinestética. Em ambas as instalações as paredes do museu transformaram-se em tela de projeção de sombras que condensam arte e política.