ARTE ESSENCIAL PARA OS RUMOS DA ABSTRAÇÃO NO SÉCULO XX



Heranças visuais

Soulages inicia seu trabalho pintando paisagens escuras com fundos claros, que nos fazem visualizar Rodez, sudeste da França, cidade onde nasceu, em 1919.

"Suas escarpas têm a severidade de uma cidadela monástica; a região em torno é desértica, cortada por vales verdes e planaltos de granitos". (1)

Em 1943, com a ocupação alemã da França, Soulages refugia-se em Montpellier, numa fazenda de vinhas onde trabalha como camponês. A região guarda uma paisagem desenhada por muros de pedras entrelaçados às árvores da floresta. Antes, em 1941, o museu da cidade já era frequentado pelo artista, bem como a Escola de Belas Artes.

" Essas gamas restritas que ele utiliza, onde os ruivos, os castanhos, os ocres, quase logo, com o preto; esses sinais imponentes que ele executa com força, essas espécies de barras ou de janelas que se cruzam, se cortam em construções vivas, atrás das quais transparecem misteriosos clarões; todo este bizarro aglomerado, solidamente traçado e ordenado constitui, então, um patrimônio muito especial." (2)

Acabada a guerra, aos 27 anos de idade, Soulages dedica-se inteiramente à pintura, fixando alguns princípios que estarão sempre presentes em sua obra.

Abstração

A escolha da arte abstrata, como o artista coloca, refere-se à idéia de que "a figuração, em si mesma, jamais exprimiu a essência da realidade e o mundo deve ser sentido em vez de visto" (3).

Apesar dessa escolha, as obras desse período não se colocam junto às de outros abstracionistas franceses ou, por exemplo, do norte-americano Kline, cujo gestual mais agressivo encontra certos traços em Soulages. A recusa à descrição de objetos da realidade, ou de qualquer referência naturalista, não corresponderão, de modo geral, aos abstracionistas expressionistas, líricos, informais, gestuais, "matéricos", gráficos, ou geométricos.
Soulages foi revelado nos anos 40, pela Escola de Paris. Construirá uma obra coerente, sem grandes rupturas, onde a preocupação com "o espaço que o quadro cria" e os desdobramentos que isso coloca,- luminosidades, materialidades, direções gestuais,- fundamentarão seu trabalho artístico a partir de 1946.

Pintura

Os espaços desvelados, os planos escavados, a massa de tinta espatulada, raspada, as penumbras e clarões, o negro-luz (4), as cores restritas desde o início,- ocres, marrons, terras, azuis,- assim como certas formas, enfim, os elementos escolhidos por Soulages interrogarão a pintura no seu interior. Não farão dela uma narrativa, uma filosofia ou uma mediação. Soulages escolhe esses elementos para fazer uma reflexão profunda sobre a pintura e sua história.

Título

O título seguirá a mesma idéia. É "pintura" com data, altura e largura. A materialidade do processo de pintar é visada aqui. Não há interpretações. A pintura reenvia-se a si mesma, "representa-se a si mesma, não significa, ela é" (5).

Gesto

Esta pintura não trata de uma investigação sobre o gesto pictórico. Já em 1947, os gestos não se reduzem aos seus próprios movimentos e às materialidades que possam surgir dos contatos com as massas de tintas. "O que importa no gesto não é sua vibração, 'a idade da alma do momento', mas a dimensão do traço, a largura, espessura, a matéria, sua transparência, sua opacidade, seu lugar na tela, sua situação para proveito dos outros traços pintados." (6)

Instrumentais

Soulages determina tamanhos e proporções de telas. Escolhe técnicas que modificam seus instrumentos e ferramentas: pincéis, brochas de vários tamanhos, espátulas de borracha, raspadores de goma elástica em grandes formatos, biqueiras para derramar a tinta... (7) A preparação da tela, dos instrumentos, as etapas que cada um deles envolve são de igual importância para Soulages, justamente porque originam, também, sua linguagem.

"Cada pintura é uma totalidade, isto implicando a definição de uma superfície adequada aos traços que a recobrem. As regras que a conduzem são o suporte e seu formato, a técnica utilizada, a ferramenta, o gesto que se apodera do pintor. Tudo isto permite a uma tela existir e, um certo dia, virar 'pintura'." (8)

Estrutura compositiva

A obra impõe sua unidade: não há desordens, subversões, nem revoluções internas. A obra de Soulages forma um todo: rigor, tensão em equilíbrio, força, simplicidade, reintrodução e revalorização da cor preta na pintura, densidade e equilíbrio interno.

"Cada tela é um momento de criação, perfeitamente autônomo e, ao mesmo tempo, parte integrante de uma série, aquelas dos dias e dos anos que constituem, ao fim e à medida, a obra do artista." (9).


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